Claudia Roquette-Pinto lança livro em BH
Escritora carioca participa nesta sexta (13/6) de evento na UFMG e lança, no sábado, na Quixote, a antologia poética 'A extração dos dias'
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Siga noMario Alex Rosa - Especial para o EM
A reunião dos livros de poesia de um poeta num só volume é sempre bem-vinda porque ali se pode ter uma leitura mais cerrada de sua produção. Além disso, muitos livros com tiragens reduzidas tendem, com o tempo, a desaparecer das livrarias e até mesmo de sebos. A outra questão é que com uma reunião, mesmo que o poeta ainda esteja em produção, como é o caso aqui de Claudia Roquette-Pinto, o leitor poderá mirar cada o da trajetória percorrida.
Claudia é uma poeta carioca que começou a publicar na década de 1980, mas só no início dos anos 1990 publicou seu primeiro livro: “Os dias gagos” (1991), edição custeada pela autora. E é nessa década que se firma com mais dois lançamentos: “Saxífraga” (1993) e “Zona de sombra” (1997). Portanto, é uma década de grandes realizações e que vai se confirmar em pleno início dos anos 2000 com “Corola” e, posteriormente, “Margem de manobra” (2005) – os cinco livros reunidos agora na importante coleção “Círculo de poemas”. A edição, revista pela autora, tem organização de Gustavo Silveira Ribeiro, professor de literatura da UFMG, que também assina o posfácio e participa de dois eventos com a escritora em Belo Horizonte.
Nesta sexta-feira (13/6), Claudia Roquette-Pinto estará na jornada, que leva o seu nome e tem o subtítulo “A pele abrasada das coisas”, na Faculdade de Letras da UFMG, às 9h, sem necessidade de inscrição prévia. No sábado (14/6), haverá o lançamento de “A extração dos dias: poesia 1984-2005” na Livraria Quixote, às 11h, em bate-papo da autora com Gustavo Silveira Ribeiro e leituras de poemas com Ana Martins Marques, Mônica de Aquino, Mário Alex Rosa, Simone Andrade Neves e Isabelle Scalambrini.
“A extração dos dias: poesia 1984 – 2005”, título retirado da última seção de “Zona de sombra”, não poderia ser melhor escolha, pois trata-se de um modo, por assim dizer, de extrair poesia dos dias, portanto da vida, do cotidiano mesmo que essa poesia não seja estritamente próxima ao rés do chão ou das crônicas da vida, como fez Manuel Bandeira, que talvez seja o nosso poeta mais tocado pelas coisas “comuns” do cotidiano da vida.
No entanto, Claudia Roquette-Pinto desde o início vem desentranhando de maneira natural um vocabulário muito particular. As suas extrações do dia se fazem desde a observação do nascer de uma flor até na mais fecunda e delicada experiência da maternidade, como na série “Quartos crescentes”, do primeiro livro. Vamos dizer que a sua poesia nasce entre a luz e a sombra. Desse fio tênue, até misterioso, do que está na sombra, mas que algo ali antes recebeu alguma iluminação. A aparição do poema talvez nasça nesse entrelugar.
Se é assim, é irável que, em “Zona de sombra”, somos iluminados pelos sons, pelo ritmo, pela capacidade de dar a ver ao poema como um “objeto sonoro” e não só pelas imagens, tão fortes nessa poeta. Veja, por exemplo, “Cinco peças para silêncio”, título que por si já remete a uma peça musical, de uma composição de música clássica contemporânea. Na primeira parte da composição já somos embalados pela camada das sibilantes em “s” e no envolvimento dos enjambements. As cinco peças revestidas pelos silêncios parecem acordar os olhos na tentativa de abri-los num “faça-se-a-luz que decifre/ o rosto por trás da grimaça” terminando no que quer ser iluminado: “a palavra/ vinda da sombra/ para o atrito”.
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É essa beleza sonora que se vê/ouve nessas peças, mas também visível em outros poemas como no belo poema “A caminho”, no qual há mais que duas referências a “Máquina do mundo”, de Drummond, e ao conto “A terceira margem do rio’, de Guimarães Rosa, mas também em diálogo indireto com a canção de Milton Nascimento e letra de Caetano Veloso, que leva o mesmo nome do conto de Rosa. Numa poeta em que o sujeito lírico parece estar sempre camuflado, oculto pela linguagem, “A caminho”, o que se amalgama é a confluência entre sujeito, rio, canoa, tudo parece parte um do outro.
Falar do rio é falar do sujeito, do pássaro, dos sons da natureza, para tudo desenbocar no fluxo silencioso e reflexivo, como aquele narrador da “Terceira margem” de Guimarães Rosa. Paulo Henriques Britto anotou com precisão que nesse poema “a opção pela sombra não [é] a negação da luz, mas a aceitação de que a sombra é a contraparte necessária da luz”. Desse modo, as zonas de sombra que a poeta percorre até então são para dar a ver as coisas por uma iluminação sonora que tem na sua linguagem, muito própria, a beleza de uma poesia instigante.
Poética singular
Se há então todo esse modo de desentranhar ou extrair poesia de outras referências – arte é também diálogo que se rompe e cada autor procura seguir suas próprias descobertas –, Claudia Roquette-Pinto, no seu quarto livro, “Corola”, confirma uma poética singular em relação ao que se poderia anteriormente – ainda que pouco – ter algum vestígio da geração 70, da poesia marginal, sobretudo carioca.
Muito ao contrário, praticamente toda a poesia de Roquette-Pinto se firma por um deslocamento linguístico e temático da poesia coloquial dos anos 1970 e que se solidifica nos anos 1980 quando a Editora Brasiliense coloca as frágeis edições dessa geração (Paulo Leminski, Ana Cristina Cesar, Chacal, Chico Alvim, Cacaso) em novos formatos e simpáticos livros que agora param em pé, como se dizia. A Brasiliense, sem dúvida, cumpriu um excelente papel editorial e que merece mais estudos sobre sua trajetória no mercado brasileiro de livros.
Uma das epígrafes que abre “Corola” pode ser uma das entradas, ainda que complexa, dos 48 poemas que compõem o livro. Os versos são da quinta estrofe do poema “Campo de flores” que dizem assim: “Onde não há jardim as flores nascem de um/ secreto investimento em formas improváveis”. É dessa ausência de jardins ou, se quiserem, de lugares improváveis, que a poesia pode nascer.
De fato, Claudia a extrai/desentranha num processo meditativo (“O dia inteiro perseguindo uma ideia:”), como se estivesse num longo movimento reflexivo sobre a função de cada palavra num poema (“O princípio da poesia/ nas dobras de uma palavra”, “palavra por palavra coagulando/ na brancura ininterrupta…”, “O torneado hábil das palavras/ o dissonante vão das consoantes”).
Assim, vai-se lendo, ou melhor, adentrando nos jardins secretos de verso a verso, poema a poema, mas que parece um bloco único até chegarmos ao último poema aparentemente separado do restante, pois é o único que recebe um título, e não à toa se chama “O náufrago”. De novo a presença dos enjambements contribui de maneira natural para o alongamento que se impõe, ainda que por vezes elíptica – essa, aliás, é uma das formas que se pode notar na estrutura de muitos poemas de Roquette-Pinto.
Vale ressaltar que em todos os seus livros há uma organização interna com uma rigorosa divisão por seções, onde cada uma recebe um subtítulo. Mesmo em “Corola”, em que apenas o último poema recebe um título, o que se pode perceber é que nesse livro há uma longa composição como se cada poema, cada movimento fosse um modo de ir mostrando a formação demorada de uma flor na sua totalidade. É como se estivéssemos diante de um longo “diário” que vai revelando as coisas que a poeta vai extraindo/desentranhando dia a dia.
'Jardins internos'
Esse campo de flores de palavras conjugadas na melhor composição de um livro exemplar demonstra uma poeta que só aparentemente só falava ou olhava para os jardins internos. Não devemos esquecer que um jardim não se faz apenas com suas belas flores. No caso do livro “Corola”, “É certo que lá fora algo acontece,/ insetos voam, pessoas (sem ruídos)/ sobem, descem (…) De resto é este sono que se alonga/ até a sombra,/ na tarde em avalanche”.
Com a chegada em 2005 de “Margem de manobra”, Claudia Roquette parece responder de algum modo algumas críticas que acentuam certo abstracionismo ou fuga da realidade, embora outros tenham avaliado esse aspecto com positividade, sem deixar de apontar certo distanciamento da sua poética em relação à realidade. Como se a poeta tivesse olhos só para os jardins, onde o tema das imagens das flores, amorosas, eróticas ou não, se fechassem nesse e somente nesse mundo simbólico.
De outro lado, talvez fosse a própria poeta que precisasse apontar para si mesma outros caminhos. De fato, “Margem de manobra” parece fortemente uma outra manobra, mesmo que pudesse parecer apenas à margem. Mas é um livro extremamente depurado na linguagem e noenfrentamento de temas difíceis e polêmicos como a poesia social ou, se quiser, política. No entanto, a meu ver, a poeta, numa manobra competente, constrói um livro cujo desentranhar ou extrair poderia ser de uma notícia de jornal, como fez Bandeira numa linguagem coloquial, porém transformado numa forma poética. É o que Claudia Roquette-Pinto em “Azul” e em “Cidade bombardeada (Tibete)”, poemas que demonstram a crueldade humana.
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Com “A extração dos dias - poesia 1984-2005”, o leitor poderá conhecer os “primeiros” poemas juvenis da autora, ainda com influência da geração 70, sobretudo de Ana Cristina Cesar. E, por fim, apenas uma sugestão: já que se trata de uma coleção tão necessária e importante, nos próximos livros a Círculo de Poemas poderia incluir uma recepção crítica sobre o poeta, prestando assim um excelente serviço para os que ainda se interessam pelo gênero.
MARIO ALEX ROSA é poeta, artista plástico e crítico literário
Serviço
'A extração dos dias: poesia 1984-2005'
De Claudia Roquette-Pinto
Círculo de Poemas
368 páginas
R$ 104,90 (e-book: R$ 73,90)
Lançamento neste sábado em BH com bate-papo da autora com Gustavo Silveira Ribeiro e leituras de poemas com Ana Martins Marques, Monica de Aquino, Mario Alex Rosa, Simone Andrade Neves e Isabelle Scalambrini. A partir de 11h, na Livraria Quixote (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi).