MEIO AMBIENTE

Invasão ameaçadora na Serra do Espinhaço

Serra do Espinhaço está em alerta máximo contra presença de javaporcos e javalis, animais com rápida reprodução e que comprometem a biodiversidade

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Javaporcos e javalis ameaçam a Serra do Espinhaço, que abrange Minas Gerais e Bahia, e abriga o Parque Nacional da Serra do Cipó (PNSC), localizado a 90 quilômetros de Belo Horizonte. A região está em “alerta máximo” contra a espécie invasora que já foi avistada andando livremente em oito municípios do entorno do Espinhaço e também no Parque Nacional e na Área de Preservação Ambiental (APA) do Morro da Pedreira. De acordo com a gestora do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMbio), que atua nas duas unidades de conservação, Romina Belloni, já foram registrados 31 avistamentos de animais, que se reproduzem rapidamente, não têm predadores naturais e podem chegar a pesar 350 quilos.

Segundo ela, são principalmente javaporcos, resultantes do cruzamento de javali com porco doméstico, animal que ameaça a biodiversidade e a produção agrícola na região da Serra do Espinhaço. “Sem predadores naturais e com muitas fontes de alimento disponíveis, eles se reproduzem rapidamente e causam impactos na agricultura, na economia, no turismo, na conservação ambiental, além de causarem doenças nos animais e na população”, afirma.

Para tentar combater o avanço da espécie que ameaça uma das áreas de preservação mais importantes do Brasil, o ICMbio e diversas outras entidades da área ambiental lançaram um plano de manejo e uma campanha batizada de “Espinhaço sem Javali”. A intenção, detalha Romina, é envolver as prefeituras e a população, entre eles os produtores rurais, para ajudar no combate ao javaporco/javali, cuja criação é proibida no Brasil desde 1998.

Um dos objetivos é mapear, com a ajuda dos moradores, a ocorrência dessa espécie na área da Serra do Cipó para que técnicos especializados possam fazer o abate. Eles já foram vistos nos municípios de Conceição do Mato Dentro, Morro do Pilar, Itambé do Mato Dentro, Santana do Riacho, Jaboticatubas, Taquaraçu de Minas, Nova União e Itabira. E há informações, dadas por pessoas que vivem no entorno do parque, de que eles seguem sendo criados clandestinamente na região.

Apesar dos relatos da presença desses animais nos arredores da Serra do Cipó, Romina Belloni afirma que a situação por lá ainda está sob controle, “mas é preocupante”. “Se não houver um trabalho de prevenção, pode acontecer o que já está ocorrendo no Parque Nacional da Serra da Canastra, onde a presença dos javalis já é um grave problema”. Os animais têm ameaçado a biodiversidade da área e a produção rural da região. Um dos municípios mais afetados com a invasão da espécie é São Roque de Minas. No final do mês ado, um javali de aproximadamente 200 quilos foi abatido dentro do parque da Canastra por um caçador autorizado. Em outra região com vários casos, recentemente os caçadores Reginaldo Sampaio e Elias contaram com a ajuda de cães farejadores para abater um animal perto de uma usina de cana-de-açúcar, entre João Pinheiro e São Gonçalo do Abaeté. O bicho tinha cerca de 300 quilos.

Um morador da região contou que um funcionário do parque avistou há poucos meses um javaporco, aparentando 70 quilos, no alto do “Morro do Pilar”. Ele conta que não foi feito registro fotográfico, pois se trata de “um bicho muito arisco”. Segundo ele, a população faz armadilhas, caça o animal mesmo sem autorização e o enterra no próprio local onde foi abatido. O javali é o único animal que pode ser caçado no Brasil, mas é preciso licença para isso.

Para ele, os javaporcos que hoje ameaçam o parque fugiram de um criadouro clandestino fechado há cerca de três anos, em uma propriedade entre Morro do Pilar e Santana do Riacho, durante uma operação do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Na ocasião foram apreendidos 32 javaporcos criados para venda e consumo da carne. Devido ao risco de fuga e danos à biodiversidade, eles foram posteriormente abatidos.

Porcos selvagens

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Morro Alto, João Rodrigues de Oliveira, de 61 anos, disse que os javaporcos, na região também chamados de “porcos selvagens”, destruíram uma “roça de mandioca” que ele plantou em sua propriedade rural, em um local mais afastado da sede, próximo a uma nascente. “Até desisti de plantar lá. Do dia para a noite, eles destroem tudo, não sobra nada”, contou.

Segundo ele, os animais são vistos rondando a zona rural do município, quase sempre à noite e em bandos. Ele participa do projeto de manejo que vem sendo feito pelo ICMbio e tem orientado os filiados a informar a presença dos animais e também a não caçar sem licença. Segundo ele, na região têm caçadores já licenciados para realizar o abate.

O prejuízo é para todo lado. Há dois anos, a filha de Piedade Viana de Andrade Souza desistiu de uma plantação porque os javaporcos comeram toda a mandioca que estava no terreno. A família ainda tem esperança de voltar com a atividade, mas consideram ser muito difícil por causa da presença dos animais. A mulher diz, ainda, que a confusão causada pelos bichos já foi incorporada ao vocabulário dos moradores da região. “Quando a um grupo de pessoas arruaceiras, já falam: ‘lá vai aquela manada de javali’”, conta.

O secretário de Cultura e Turismo de Morro do Pilar, Douglas de Oliveira Santiago, também já teve sua roça de mandioca e milho destruída pelos javaporcos. “Acho que está ficando assustador”, avalia. Ele afirma que já há registro de javaporcos em Pedro Leopoldo, município localizado a cerca de 70 quilômetros do Parque Nacional da Serra do Cipó, na Grande BH. Santiago contou que a plantação de alguns parentes que moram na cidade tem sido afetada pelos javaporcos que, segundo ele, crescem bem mais que os javalis, quando cruzam com porcos domésticos.

“E aqui tem muito coco indaiá que eles adoram”, conta Douglas se referindo a palmeira-indaiá, uma árvore típica do cerrado brasileira e muito presente em Morro do Pilar. Os animais não são ameaça para o turismo local, avalia Douglas, pois eles têm hábitos noturnos e são muito ariscos à presença humana. A orientação do ICMbio é não se aproximar deles e comunicar a localização do avistamento para os órgãos ambientais. O município, ele ressalta, também está envolvido no plano de manejo dos animais para evitar que eles se tornem uma “praga”.

Registros no estado

Minas Gerais já é um dos estados com a maior população de javalis e javaporcos no país. De acordo com dados do Ibama, em 2022, 198 cidades mineiras já haviam registrado a presença do animal, sendo que 64 dessas foram classificadas como “prioridade extremamente alta” para a prevenção no aspecto ambiental, por terem áreas com flora e fauna mais sensíveis. Entre essas cidades estão Itambé do Mato Dentro, Morro do Pilar e Jaboticatubas, que ficam no entorno da Serra do Cipó.

O abate dos javalis é permitido por lei desde 2013, mas para que isso seja feito é preciso licença do Ibama, que requer um protocolo que envolve várias exigências. Os interessados devem realizar um cadastro para obter a autorização específica de manejo e, caso façam uso de armas de fogo, precisam estar devidamente registrados como Colecionadores, Atiradores Desportivos e Caçadores (CACs), que têm direito à posse de arma de fogo e munições para praticar essas atividades, junto à Polícia Federal. O órgão assume essa competência em julho, até então sob responsabilidade do Exército.

A emissão dessas autorizações foi suspensa em 2024 depois de suspeitas de irregularidades no abate e para adequar os procedimentos ao decreto que limitou o porte de armas, mas elas voltaram a ser emitidas no final de 2024. Uma das irregularidades foram denúncias sobre o abate de machos e a soltura de fêmeas para garantir a proliferação de animais para futuras caçadas que já se tornaram um negócio e um hobby. De 2019 a 2021, 465 mil javalis/javaporcos foram abatidos no Brasil, segundo o Ibama.

Abate regulamentado

O abate dos javalis foi regulamentado em 2013 por meio de uma Instrução Normativa do Ibama, que decretou a nocividade da espécie e autorizou o controle populacional no país. Hoje, um projeto de lei tramita no Congresso Nacional para normatizar o abate em todo o território. Alguns estados já têm legislação própria e outros discutem a regulamentação do tema.

Caso do PL 1.858/2023, na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), que autoriza o controle populacional e o manejo sustentável do javali em todas as suas formas, linhagens, raças e diferentes graus de cruzamento. A proposta aguarda votação na Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável para ser apreciada em primeiro turno. Ela foi discutida mês ado em audiência na Comissão de Desenvolvimento Econômico da Casa.

Autor do pedido de audiência, o deputado Leonídio Bouças (PSDB) ressalta que o descontrole da população de javalis representa um problema para produtores e todos os que habitam o campo, além de um caso de saúde pública. "A intenção é pacificar o assunto, e não deixar que polarizações tragam prejuízos nesse debate, pois precisamos de uma discussão técnica, que aponte soluções para a proliferação dos javalis".

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Taxa de reprodutividade

Oriundos da Europa, Ásia e Norte da África, os javalis são considerados uma das espécies invasoras mais prejudiciais à biodiversidade brasileira. Eles foram inseridos inicialmente no país como animais de caça e, posteriormente, aram a ser criados para a venda da carne.

No entanto, se espalhou principalmente devido à fuga de animais de criações e ao cruzamento com porcos domésticos, aumentando sua capacidade reprodutiva que já era elevada. As fêmeas do javali atingem a maturidade sexual muito rapidamente, entre os 8 e 10 meses de idade, e podem ter até duas ninhadas por ano, com até 12 filhotes. n

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