O tradicional bloco Domésticas de Luxo, com 67 anos de história em Juiz de Fora, na Zona da Mata mineira, está oficialmente fora do carnaval da cidade. A exclusão foi determinada após audiência nessa sexta-feira (11/4) pela Ministério Público de Minas Gerais (MPMG), que considerou as denúncias de uso de blackface como "graves violações aos princípios constitucionais de combate ao racismo e à intolerância de gênero".

Em fevereiro, integrantes do bloco Domésticas de Luxo desfilaram com o rosto e o corpo pintados de preto, prática que ganhou o nome de blackface e é considerada racista. Para o MPMG, as imagens do desfile evidenciam uma reincidência, já que o grupo havia sido advertido por esse mesmo tipo de conduta seis anos antes. 

 

A promotoria considerou a exclusão do bloco do circuito oficial como medida necessária para impedir novas violações. Caso o grupo insistir em desfilar, uma ação civil pública pode ser movida para barrar suas atividades. Agora, o Domésticas de Luxo está proibido de participar de desfiles, sejam eles oficiais ou independentes, dentro do município.

Na audiência, a Fundação Cultural Alfredo Ferreira Lage (Funalfa), responsável pela organização do carnaval de Juiz de Fora, comprometeu-se a não autorizar o grupo em nenhuma edição futura. Em caso de descumprimento, está prevista multa de R$ 50 mil. Ainda durante a reunião, a Funalfa afirmou que só tomou conhecimento das denúncias no próprio dia do desfile, quando começaram a circular nas redes sociais imagens de foliões com pintura preta no rosto e no corpo.

Após a repercussão do caso, a Prefeitura de Juiz de Fora divulgou uma nota oficial repudiando o episódio. "Em desacordo com as determinações dos anos anteriores, tivemos o lamentável retorno do 'blackface' - prática racista que já deveria ter sido banida de nossa festa- por um tradicional bloco da cidade".

O bloco já havia sido advertido em 2019 após reuniões com a subseção local da  Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e com movimentos sociais. Naquele ano, foi firmado um compromisso informal para encerrar o uso do blackface, substituindo a pintura preta por cores variadas. No entanto, em 2025, imagens voltaram a registrar integrantes com o rosto e o corpo pintados de preto.

O Domésticas de Luxo foi fundado em 1958, inspirado no bloco Domésticas de Lourdes, de Belo Horizonte. Tradicionalmente formado por homens fantasiados de empregadas domésticas, o grupo ficou conhecido pelo uso de maquiagem escura e malha preta sob as roupas, elementos que já vinham sendo criticados há anos.

Em declarações públicas anteriores, os organizadores sempre alegaram caráter caricatural e humorístico, mas a interpretação da sociedade civil e dos órgãos públicos tem caminhado em sentido contrário.

O que é o blackface?

 

A prática conhecida como blackface tem origem no século 19, nos Estados Unidos, e surgiu em um contexto de profunda segregação racial. Nessa época, atores brancos pintavam o rosto com tinta preta ou marrom para representar personagens negros em peças teatrais, geralmente de forma caricata e ofensiva. Os espetáculos retratavam pessoas negras como preguiçosas, ingênuas, violentas ou exageradamente engraçadas, reforçando estereótipos que ajudaram a consolidar ideias racistas por gerações.

Além da caricatura, o blackface também promovia a exclusão. Durante boa parte do século 19 e mesmo no início do século 20, pessoas negras eram proibidas de atuar nos palcos. Atores brancos, portanto, ocupavam todos os papéis, inclusive os de personagens negros, e usavam a maquiagem escura como recurso cênico, ao mesmo tempo em que zombavam dos trejeitos e sotaques da população negra.

Mesmo com o ar dos anos, os danos provocados pelo blackface continuam sendo sentidos. A prática, ainda que reformulada, perpetua visões racistas e reforça a marginalização de pessoas negras na cultura e na sociedade. Por isso, atualmente, pintar o rosto ou o corpo de preto, ainda que com alegações de homenagem ou humor, é amplamente criticado e entendido como uma prática racista.

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Especialistas e movimentos sociais apontam que não se trata de uma escolha estética, mas de uma representação carregada de violência simbólica, com raízes em um sistema que historicamente negou direitos e voz às pessoas negras.

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