Presença constante no cotidiano das famílias
Padre Bernardino Batista dos Santos usava o convívio com os frequentadores de paróquia para ganhar confiança e não despertar suspeitas sobre seus atos criminoso
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Siga noNaiana Andrade - Agência Pública
A convivência do padre Bernardino com as famílias de moradores do Bairro Paraíso, na Região Leste de Belo Horizonte, endereço da paróquia onde o padre exerceu suas funções religiosas por mais de 30 anos, era muito comum. Isso marcou a infância de muitas meninas que viam com frequência o padre em almoços de domingos e festas, além das celebrações na igreja pelos parentes. Márcia Helena Gonçalves, de 53 anos, conta que isso era comum na casa do tio dela, que ficava bem perto da Igreja Santa Luzia.
“Num domingo, o padre levou todas as crianças que estavam na casa do meu tio para dar um eio de carro. Estávamos eu e meus primos, inclusive uma prima minha que é dois anos mais velha e que foi abusada várias vezes pelo padre. Ao chegar num mirante de Belo Horizonte, um lugar ermo onde vários casais se encontravam para namorar, o padre mandou que descêssemos para brincar, mas quando saí do carro ele me segurou pelo pescoço. As outras crianças se foram e eu simplesmente desmaiei. Só me recordo de voltar para casa.”
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Márcia conta que descobriu que havia sido abusada sexualmente anos depois, quando estava em uma aula na faculdade e a professora confirmou que o “apagão” e o trauma sofrido por ela eram os sinais da violência.
ESPERA DO JULGAMENTO
Em dezembro de 2024, o caso do padre Bernardino foi tema de duas audiências públicas na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). Em ambas, foi discutido o impacto de crimes sexuais cometidos contra crianças por líderes religiosos. Ao fim de uma das reuniões foi publicado o Projeto de Lei nº 3.163/2024, que institui a política estadual de garantia de direitos da criança, do adolescente, da mulher e da pessoa vulnerável vítima ou testemunha de violência praticada por instituições religiosas e seus agentes.
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A psicanalista Rosane Trapaga, que acompanha vítimas e familiares, explica que o silêncio em torno dos abusos se sustentou por anos não apenas pelo medo, mas pelo prestígio social e religioso de Bernardino. Como em outros casos, o agressor se escondia atrás de um papel respeitável – neste caso, o de representante de Deus – para ter o ir a crianças. “A perversidade se agrava pelo fato de os abusos ocorrerem em espaços sagrados, como a casa paroquial. O impacto foi devastador para a sexualidade e a saúde mental das vítimas”, afirma. Ela ressalta ainda a urgência de debater o abuso infantil dentro de instituições religiosas.
A eleição do papa Leão XIV traz à tona um dos maiores desafios enfrentados pela Igreja Católica: os escândalos de abuso sexual clerical. Durante o pontificado de Francisco, medidas foram implementadas, como a promulgação do motu proprio “Vos estis lux mundi”, que obriga bispos e superiores religiosos a denunciarem casos de abuso e de quem os acoberta, além da criação de sistemas para denúncias em todas as dioceses. Além disso, papa Francisco aboliu o segredo pontifício em casos de violência sexual, permitindo que informações sejam compartilhadas com autoridades civis. No entanto, críticas persistem quanto à eficácia dessas medidas, e no que diz respeito à responsabilização.
Segundo a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais (Sejusp), a informação de que Bernardino Batista dos Santos teria atuado como capelão no Complexo Penitenciário Feminino Estevão Pinto (Piep), em 2024, não procede. Ele, segundo a Sejusp, teve vínculo contratual com o Estado para atuações religiosas no sistema prisional entre 1995 e 2015. Atualmente, ainda de acordo com a Sejusp, Bernardino está sob monitoração eletrônica, por determinação judicial, desde 28/11/2024.
De acordo com a Justiça, a previsão é de que o julgamento do caso que envolve Bernardino ocorra até o fim de 2025.
O QUE DIZ A IGREJA E A DEFESA DE BERNARDINO
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Em nota, a defesa das vítimas afirma que, desde 2021, trabalha no caso e ressalta o compromisso inabalável com a defesa dos direitos das vítimas e da busca incessante por justiça. O advogado de defesa de Bernardino Batista dos Santos também foi procurado, mas não retornou os contatos até a publicação. Já a Arquidiocese de Belo Horizonte, em resposta à Pública, informou que a Comissão Arquidiocesana para a proteção de Crianças, Adolescentes e Vulneráveis da Arquidiocese de Belo Horizonte prontamente acolheu as denunciantes no processo eclesial, além de ter contribuído com o trabalho das autoridades civis. Mas, informou que quando questionada sobre o motivo pelo qual as denunciantes não tiveram o ao conteúdo dos depoimentos que deram à instituição católica, não foi possível informar nada, já que “conforme o direito canônico, não se pode expor detalhes do processo”.
Esta reportagem foi produzida pela Agência Pública e publicada em parceria com o Estado de Minas. Leia mais em apublica.org