Entre relatos de milagres de irmã em Macaúbas, um pedido de beatificação
Com história ligada à do convento de 300 anos em Santa Luzia, irmã Maria da Glória tem devoção de fiéis que lhe atribuem graças.
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Siga noO nome da irmã Maria da Glória traz ainda mais alegria ao Mosteiro de Macaúbas, que tem à frente a madre Ana Elisa Faria das Chagas. Ao lado da irmã Marisa de Fátima Costa, a irmã Maria Imaculada de Jesus Hóstia só tem palavras de respeito, iração e afeto ao se referir à falecida religiosa da Ordem da Imaculada Conceição, a quem são atribuídos milagres. “Queremos que seja aberto o processo de beatificação da irmã Maria da Glória... E que seja beatificada”, afirma.
Com um galho de rosas nas mãos, irmã Marisa diz que as flores são do túmulo da irmã Maria da Glória. “No velório dela, em janeiro de 1986, muitas pessoas trouxeram vasos floridos. Após o sepultamento, no cemitério do mosteiro, a muda de um deles foi plantada e cresceu. E, assim, as flores ficaram conhecidas como ‘rosas da irmã Maria da Glória’.”
Durante a pandemia de Covid-19, uma fiel levou do mosteiro um pequeno buquê para um hospital no qual o marido estava internado. “O homem estava muito mal, intubado. A esposa colocou as ‘rosas da irmã Maria da Glória’ perto dele, e, não ou muito tempo, houve a melhora. Ficou bom”, revela irmã Marisa.
Conforme pesquisa da Associação Cultural Comunitária de Santa Luzia, irmã Maria da Glória do Coração Eucarístico nasceu no distrito de Cachoeira do Campo, em Ouro Preto, em 1903, e foi batizada Maria Gomes de Oliveira. Chegou a Macaúbas ainda no tempo do Recolhimento, em 8 de outubro de 1926, fazendo, oito anos depois, os votos de profissão religiosa na Ordem da Imaculada Conceição, implantada no local no ano anterior.
Na década de 1940, a monja foi internada em hospital de BH para tratamento, sendo “desenganada” pelos médicos. Mas retornou ao mosteiro e atravessou mais de quatro décadas acamada, desafiando prognósticos de especialistas. Em 1962, deu depoimento a uma comissão de religiosos que conduziam o processo de beatificação do Padre Eustáquio (1890-1943), hoje Beato Padre Eustáquio e a caminho da canonização.
Segundo a pesquisa da entidade, há diversos relatos atribuindo a irmã Maria da Glória “a intercessão junto a Deus em situações de dúvida, descrença e perigo”. Dessa forma, “as virtudes da fé, obediência e caridade estiveram impressas na vida da Irmã Maria da Glória, falecida em 21 de janeiro de 1986.”
Êxtase religioso
Na história do Mosteiro de Macaúbas, outro nome se pronuncia em tom de reverência: o da irmã Germana Maria da Purificação, nascida em Morro Vermelho, em Caeté (Grande BH), em 1782. A religiosa morou na Serra da Piedade, no mesmo município, e foi visitada m 1818 pelo cientista francês Auguste de Saint-Hilaire (1779-1853), que publicou informações sobre ela em um de seus diários de viagem.
Dos seus tempos no Mosteiro de Macaúbas, onde foi sepultada, ficaram histórias, conforme revela a irmã Marisa de Fátima Costa: “Durante o tríduo pascal, de Quinta-feira Santa ao Domingo da Páscoa, irmã Germana ficava em ‘estado de paixão’, em êxtase”. De geração a geração, foram transmitidos relatos de que, na Sexta-feira da Paixão, ela levitava.
No mosteiro, é guardado em uma caixa o manto azul, do hábito das monjas, que pertenceu à irmã Germana. Foi enterrada com ele, e, quando houve, muitos anos depois, o traslado dos restos mortais do antigo local de sepultamento, para o cemitério do mosteiro, o manto foi encontrado intacto.
Irmã Maria Imaculada abre o tecido e conta que muitas pessoas, em busca de cura para o corpo e a alma, já pediram para ficar, por alguns minutos, sob o “manto milagroso da irmã Germana”.
A “exilada de Macaúbas”
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Em seu livro “Irmã Germana – A exilada de Macaúbas”, em segunda edição, o pesquisador Marcos Paulo de Souza Miranda mergulhou fundo na história da religiosa. No capítulo “Êxtase espiritual ou catalepsia?”, Souza Miranda escreveu: “Os registros esclarecem que quando se encontrava em retiro na Serra da Piedade, por volta de 1814, um dia lá meditando sobre os mistérios da Paixão de Cristo, Germana entrou em uma espécie de êxtase. Seus braços endureceram e estenderam-se em forma de cruz. Seus pés cruzaram-se igualmente e ela se manteve nessa atitude durante quarenta e oito horas. A partir de então, segundo Saint-Hilaire, Germana tomava essa atitude extática na noite de quinta para sexta-feira, conservando-se assim até a noite de sábado para domingo, sem fazer um movimento, sem proferir uma palavra, sem tomar qualquer alimento.”
O relato prossegue: “Consta que era mantida a posição de crucifixada, com os braços hirtos, os pés sobrepostos e a cabeça inclinada ao lado esquerdo. Segundo as palavras do ilustrado francês: ‘Quando Germana se achava em seus êxtases periódicos, seus membros adquiriam tal rigidez que seria mais fácil quebrá-los que dobrá-los; mas, se se pode acreditar no testemunho de seu confessor, por pouco que tocasse o braço ou a mão da doente ele lhes dava a posição que quisesse. O que é certo é que tendo o confessor de Germana lhe ordenado que comungasse em um dos seus dias de êxtase, ela se levantara num movimento convulso, do leito que havia sido levada à igreja; ajoelhada, mas com os braços sempre cruzados, ela recebeu a santa hóstia, e, desde essa ocasião sempre repetiu a comunhão no meio de seus êxtases. Aliás, o diretor de Germana falava sempre com muita simplicidade do seu domínio sobre a pretensa santa; ele o atribuía à docilidade da enferma e seu respeito pelo caráter sacerdotal, acrescentando que qualquer outro eclesiástico poderia conseguir os mesmos resultados. Esse homem dizia-me com aquela confiança que os magnetizados exigem de seus adeptos: a obediência dessa pobre moça é tal que se eu lhe ordenar que e uma semana inteira sem se alimentar, ela não hesitará em atender-me, e nada sofrerá; mas, acrescentava, receio ofender a Deus com uma experiência dessas'.”
Território de devoção
Complexo de 11,5 mil metros quadrados pertencente à Ordem da Imaculada Conceição (OIC), fundada no século 15, na Espanha, por Santa Beatriz da Silva e Menezes, o Mosteiro de Macaúbas figura entre as mais importantes construções do período colonial brasileiro. É tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e pelo Instituto Estadual do Patrimônio Histórico e Artístico (Iepha-MG) e pela Prefeitura de Santa Luzia. No dia a dia, as monjas cuidam da plantação, fazem vinho, participam de muitos ofícios religiosos e trabalham duro, acordando antes do nascer do Sol.
Mais antigo do que a Capitania de Minas, quando se deu a organização política e istrativa deste gigantesco território (1720), e anterior à chegada do primeiro bispo às Gerais (1748), dom Frei Manoel da Cruz, o Mosteiro de Macaúbas tem sua história iniciada em 1714, pelas mãos do eremita Félix da Costa. Procedente da cidade de Penedo (AL) e navegando pelo Rio São Francisco, na companhia de irmãos e sobrinhos, ele demorou três anos para chegar a Santa Luzia, onde construiu uma capela dedicada a Nossa Senhora da Conceição, de quem era devoto.
Reza a tradição que, antes de chegar a Santa Luzia, bem no encontro das águas do Velho Chico com o Rio das Velhas, na Barra do Guaicuí, em Várzea da Palma, Região Norte do estado, Félix da Costa teve a visão de um monge com hábito branco, escapulário, manto azul e chapéu caído nas costas. “Ele se viu ali. Foi o ponto de partida para a fundação do Recolhimento de Macaúbas”, conta a irmã Maria Imaculada.
Uma volta ao tempo leva a muitas descobertas. No século 18, quando estava proibida a instalação de ordens religiosas nas regiões de mineração, por ordem da coroa portuguesa, para que o ouro e os diamantes não fossem desviados para a Igreja, havia apenas dois recolhimentos femininos em Minas: o de Macaúbas e outro em Chapada do Norte, no Vale do Jequitinhonha. Conforme os estudos, tais espaços recebiam mulheres de várias origens, as quais podiam solicitar reclusão definitiva ou ageira.
A casa de Chica da Silva
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Na época do recolhimento, Macaúbas recebeu figuras ilustres, como as filhas da escravizada alforriada Chica da Silva, que vivia com o contratador de diamantes João Fernandes. A casa na qual Chica se hospedava fica ao lado do convento, e foi lá que escreveu seu testamento.
Como parte do pagamento do dote das filhas, o contratador João Fernandes mandou construir, entre 1767 e 1768, a chamada Ala do Serro, com mirante e 10 celas (quartos para as religiosas). Em 1770, o mestre de campo Ignácio Correa Pamplona assinou contrato para construir a ala da direita da sacristia (Retiro), igualmente dividida em celas. A construção tem ainda as alas da Imaculada Conceição, Félix da Costa (a mais antiga) e a de Santa Beatriz, onde se encontra o noviciado do mosteiro.
Em 1847, o recolhimento ou a funcionar também como colégio, tornando-se um dos mais tradicionais de Minas. Essa situação durou até as primeiras décadas do século 20, quando a escola entrou em decadência, devido à chegada de congregações religiosas europeias com grande experiência na educação de meninas. O tempo ou até que, em 1933, a construção ou a abrigar o mosteiro da Ordem da Imaculada Conceição.