
"O escritor é a parte mais fraca" no mercado literário, diz autor
José Eduardo Gonçalves comenta em entrevista ao "EM Minas" (TV Alterosa) o cenário paradoxal de um país que tem muitas editoras de livros e poucos leitores
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Siga noIdealizador de projetos como o Ofício da Palavra, realizado no Museu de Artes e Ofícios, e o Letra em Cena, no Café do Centro Cultural Unimed-BH Minas, além da coleção “BH. A cidade de cada um”, que há 20 anos vem lançando títulos de diferentes autores sobre bairros, regiões e cartões-postais da capital mineira, José Eduardo Gonçalves é um baluarte das letras. Também escritor, ele lançou, no ano ado, “Pistas falsas”, livro de contos – gênero que considera o patinho feio da literatura.
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Profundo conhecedor do mercado editorial, ele foi o entrevistado da semana do “EM Minas”, programa da TV Alterosa em parceria com o Estado de Minas e o Portal Uai. Confira a seguir trechos da entrevista em que Zedu, como é conhecido pelos mais próximos, fala de sua relação com a literatura, dos projetos que já encampou, dos livros e dos leitores no Brasil e das engrenagens que movem esse mercado, ao mesmo tempo frágil e potencialmente vultoso.
Pesquisa recente aponta que o Brasil, pela primeira vez, apresentou maioria da população que não lê livros, ou ao menos não havia lido nada nos três meses anteriores à realização da pesquisa. Paradoxalmente, existe hoje no Brasil um número enorme de editoras – 740, mais ou menos –, que publicam 40 mil títulos por ano. Como a gente explica esse fenômeno? O brasileiro lê ou não lê? O que se pode falar sobre isso?
Às vezes brinco com meus amigos que os leitores são os mesmos. A gente vai numa livraria, encontra leitores, vai na outra, são os mesmos que estão ali, depois vai na outra e, de novo, são os mesmos. O número de leitores no Brasil vem decrescendo. Perdemos nesses últimos três anos quase 7 milhões de leitores.
Como aponta essa pesquisa, 53% da população se declarou não leitora, não leu nenhum livro. Ao mesmo tempo, o que é paradoxal, hoje em dia se publica muito. Existem muitas editoras pequenas. Os escritores não dependem mais só das grandes editoras para publicar. Hoje tem muita editora independente fazendo um trabalho maravilhoso. Então é assim: tem onde publicar? Tem. Aqui mesmo em Belo Horizonte tem muitas editoras pequenas. O o à publicação ampliou.
Mas então é um mercado em que só a editora ganha dinheiro. A livraria e o escritor, especialmente, ganham dinheiro? Como é isso?
O escritor é a parte mais fraca. As livrarias, para terem sucesso, precisam de muitos natais. Elas precisam de muita festa, muito lançamento. Editora vive de lançamento, porque é o que leva o público para dentro da livraria. É um mercado difícil de entender.
Do preço final de um livro, o autor fica com 10%; o resto fica com a editora e com a distribuição. Em termos de livrarias, até se brincava um tempo atrás que só Buenos Aires tinha mais do que no Brasil inteiro. Ao mesmo tempo, tem livrarias de rua sobrevivendo, ao o que grandes redes, como Cultura e Saraiva, estão com problemas. Os livreiros reclamam muito, mas não abrem mão do ofício, estão sempre ali, segurando a onda. Dá para sobreviver, mas com muita dificuldade.
Vamos falar da coleção “BH. A cidade de cada um”. Sabemos que tem uma lista gigante de pessoas batendo na sua porta, querendo escrever sobre lugares de BH. Como funciona isso?
Essa é uma ideia que deu muito certo. Quando criamos esse projeto, não tínhamos ideia do potencial dele. Começamos com três livros, “Mercado Central”, “Lagoinha” e “Estádio Independência”. Tenho uma lista de gente querendo escrever, então temos que selecionar com calma. Por que esse projeto caiu no gosto dos escritores e dos leitores?
Porque é uma declaração de amor à cidade. São livros afetivos, que contam histórias de bairros, ruas, praças, escolas, enfim, pontos que são referenciais, que evocam o sentimento de pertencimento a um lugar. Belo Horizonte é uma cidade em constante transformação e essa coleção é uma espécie de cartografia poética contra o esquecimento, a favor da memória, para que se preservem histórias.
Quais títulos estão na fila?
Tem o “Santa Efigênia”, que já está bastante adiantado, tem a “Praça da Liberdade” e tem um de um bairro periférico – o que estamos tentando abarcar também – que é o Pindorama, no limite de Belo Horizonte com Contagem. Tem muita coisa.
Você tem outro projeto, o Letra em Cena, que já tem uns 15 ou 16 anos, certo?
São nove anos, mas antes eu tinha outro projeto, o Ofício da Palavra, que era dentro do Museu de Artes e Ofícios. Ambos são voltados para a valorização de autores e de livros em língua portuguesa. O Letra em Cena começou abordando só os autores já falecidos. Chamo um professor ou um especialista em determinado escritor para falar a respeito.
Se é para falar de Machado de Assis, por exemplo, vamos chamar o Silviano Santiago. É um evento gratuito. O especialista vai lá falar, de forma não acadêmica, sobre aquele determinado autor e depois bate um papo com a plateia. Além disso, tem sempre um ator ou atriz lendo um conto, um capítulo de uma obra desse autor.
É um projeto consolidado, que já está renovado para 2025. A ideia é que as pessoas saiam dali com vontade de ler, de descobrir um escritor que ainda não leram ou de reler com um novo olhar. Tenho trazido os maiores especialistas do Brasil. O Itamar Vieira Júnior veio recentemente, a Conceição Evaristo também.
Para analisar a obra de outros autores?
Não, nesses casos não, eles vieram para falar sobre a própria obra. De dois anos para cá, temos abordado escritores vivos também, que vêm falar de si, de sua produção. É uma necessidade que sentimos de tratar da literatura contemporânea.
A Carla Madeira, por exemplo, já participou. Nós, escritores, adoramos quando um dos nossos pares faz sucesso, porque quando um autor consegue visibilidade, como é o caso da Carla, ele atrai centenas de leitores, e isso vai abrindo perspectivas para quem vem atrás.
Como explicar esse fenômeno da Carla Madeira? Os livros dela nem são tão recentes e, de repente, é um nome que explodiu.
Às vezes fico debatendo com os amigos: como é que se explica esse fenômeno? Ela saiu, primeiro, por uma editora pequena aqui de Belo Horizonte, a Quixote. Já vendia bem e, mais recentemente, caiu no gosto de autores importantes, como a Martha Medeiros, lá do Sul.
A repercussão chamou a atenção da editora Record, que encampou os três livros dela, com uma capacidade de distribuição e de divulgação muito maior, aí ela estourou completamente. É uma das autoras mais vendidas do Brasil hoje, junto com o Itamar, que ganhou um prêmio em Portugal antes de fazer sucesso aqui, com o “Torto arado”. Isso é maravilhoso, porque há muito tempo a gente não via na lista dos mais vendidos autores brasileiros. A Carla está lá toda semana.
Você lê de tudo? Quem são seus autores preferidos?
Tenho uma biblioteca gigante, que ocupa vários quartos. Meu filho outro dia perguntou: “Você já leu tudo isso?”. Respondi que ainda não li tudo, mas que, de qualquer forma, os livros me fazem companhia. Leio muita literatura brasileira.
Dalton Trevisan, que morreu agora, é um escritor que amo de paixão. Também acompanho autores novos, que estão aparecendo agora, até porque trabalho com isso, nas curadorias de projetos que faço. Também gosto muito de literatura russa, norte-americana, inglesa, e gosto muito dos contistas.
Estou lendo agora um livro da Rosa Freire de Aguiar, de crônicas, premiado com o Jabuti. Não sou poeta, sou contista, mas adoro poesia. Tem muitos poetas bons em Minas Gerais. Ana Martins Marques é, para mim, a maior poeta do Brasil na atualidade. E tem Drummond, né!?
Minas tem papel de destaque no cenário literário nacional?
Minas já deu muita gente, Fernando Sabino, Pedro Nava, que é o maior memorialista do Brasil, Drummond, que é o maior poeta, Otto Lara Resende, um dos maiores contistas que o país já teve. Luiz Vilela é um dos maiores autores vivos. Humberto Werneck está aí com livros maravilhosos.
A gente tem em Minas uma produção muito boa, mas hoje em dia se escreve bem em vários lugares, temos autores ótimos no Ceará, no Sul, em São Paulo. As grandes editoras estão em São Paulo, mas não existe mais aquela concentração de bons escritores só no eixo Rio-São Paulo.
Humberto Werneck certa vez falou que para viver de escrever era preciso ir para São Paulo ou Rio de Janeiro. Essa realidade ainda persiste?
Acho que não. Claro que faz diferença quando você está num lugar como São Paulo, por causa da circulação e da quantidade de eventos que acontecem, porque aí você está sempre trombando com outros escritores, com editores.
As pessoas não te esquecem porque estão te vendo o tempo inteiro. Mas a Carla Madeira mesmo é um exemplo de que não precisa sair. Ela está aqui em Minas, quem quiser procurá-la tem que ligar para cá. Fui lançar um livro em São Paulo no ano ado e encontrei um tanto de gente conhecida.
Você está falando do “Pistas falsas”?
Sim, um livro de contos, que é o patinho feio da literatura. Os poetas adoram chorar por ai que ninguém lê poesia; acho que conto é o que ninguém lê.