
Algo me diz que os capacetinhos querem as nossas cabeças
Como a fábula ao contrário, ao beijarmos os mecenas eles viraram credores
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Em 31 de maio de 2013, quando se deu o primeiro milagre de São Victor, este escriba achou que findava ali todo o azar que grudara no atleticano como o karma de um genocida. “La Canhota de Dios”, pensei comigo, inauguraria a infinita era da fortuna. Chegávamos, enfim, à boca do caixa com todas as nossas duplicatas – e os deuses do futebol que se virassem para acertar a dívida monumental construída por décadas de injustiças diversas. Que engano, senhores.
De 2013 a 2021, os deuses foram quitando o carnê. Vingamos um a um nossos algozes. Vimos a dancinha do Mano e o Flamengaço Classificadaço. Vimos o Cruzeiro morrer. Se havia um problema, era a nascente do terreno do Bairro Califórnia e os desgraçados dos capacetinhos, os pássaros em extinção que insistiam em reivindicar a propriedade da nossa futura casa. Assim como Michelangelo, tínhamos até mecenas.
Contudo, não é de todo sabido o que fizemos nas vidas adas. E a era da fortuna, de repente, foi virando uma marmota. Como a fábula ao contrário, ao beijarmos os mecenas eles viraram credores. Quem rouba de ladrão, cem anos de perdão, devem ter pensado os capacetinhos, isentando de culpa os quatro cavaleiros do apocalipse que levaram o nosso estádio, queimaram o shopping, expulsaram o povão.
Certamente não foi só um genocídio. Talvez uma sequência deles. Quem sabe não éramos nós a perseguir os cristãos, queimar as bruxas na fogueira, levar judeus às câmaras de gás? Fato é que, assaltados pelos sapos-credores, restava ainda uma esperança: são bilionários, sabem gerir negócios e fazer dinheiro. Era como se o Temer pudesse ter virado o Kennedy – foi golpe, mas, superada a página infeliz da nossa história, entraríamos num inédito ciclo de prosperidades.
Não. No nosso caso, o Temer era um Temer piorado, se é que é possível a configuração pra lá de vampiresca. O nosso azar é de tal monta, o nosso karma tão implacável, que a situação que se apresenta seria rechaçada pela mais canastrona das ficções: nossos bilionários não sabem fazer dinheiro, nossos banqueiros se afundam em dívidas.
Sinceramente, senhores, quem aqui, a essa altura do campeonato, sairia de férias e deixaria seu pequeno botequim sob os cuidados desse pessoal? Se fosse concedido aos quatro cavaleiros o monopólio das bocas de fumo da Jamaica, sabemos que terminariam devendo Jah e o mundo. E o povo fumando orégano. Se botarem dinheiro embaixo do colchão, vão fazer xixi na cama.
Apostaram na Selic baixa, a Selic subiu como nunca. Apostaram no Júnior Santos, a despeito de o Ciga não o recomendar. Depois de construir estreita relação com governos petistas e ganhar rios de dinheiro com o Minha Casa Minha Vida, apostaram tudo no Bolsonaro. Esse pessoal é o sonho da Virgínia, a influenciadora que ganha dinheiro quanto mais perdem seus seguidores-apostadores.
Fico a imaginar o vinho que produzem no Douro. Vou ficar de olho nas ofertas: uma caixa custa 100, duas custam 50, quatro você leva de graça, seis eles te pagam uma grana e entregam em casa. Parece piada de português mas é sério: apenas confira o histórico de valores das ações da empreiteira na Bolsa. O banco digital vai bem, mas aí é tipo o monopólio das bocas na Jamaica. De resto, têm o famoso Toque de M*rdas.
No mais recente estudo sobre a dívida do Galo, o Relatório Convocados, ela chegaria a R$ 2,3 bilhões. A gravidade da situação só se compararia à do Vasco (outro dia mesmo estava eu aqui a falar sobre o que chamei do nosso processo de “vascanização”). Para quitá-la em 20 anos seria preciso usar 20% da receita líquida do clube na amortização, isso se levarmos em conta a receita recorde de 2024. Ou seja, não vai rolar. E se rolar, é 20 anos de Mixirica. O negócio é apegar-se à filosofia. Quando não há mais saída, alguma saída, antes impensável, se apresentará. É preciso uma Galosofia capaz de inspirar a revolução.
Quem sabe uma guerrilha que se instalasse nas montanhas carcomidas da Serra do Curral? Quem sabe uma espécie de MST que invadisse e ocue as terras improdutivas da nova arena? Quem sabe a radical desfiliação do sócio-torcedor e o completo esvaziamento das arquibancadas até que se fizesse a venda da SAF?
Quem sabe a refundação no coreto do parque, com uma revoada de capacetinhos? Algo me diz que os capacetinhos, de algum outro plano, querem as nossas cabeças.
As opiniões expressas neste texto são de responsabilidade exclusiva do(a) autor(a) e não refletem, necessariamente, o posicionamento e a visão do Estado de Minas sobre o tema.