Safra recorde de canéforas pode reduzir preço do café no Brasil
Indústria aumentou o percentual da variante conilon no blend do café torrado e moído, reduzindo o uso do arábica, ainda muito valorizado no mercado
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Siga noO Brasil pode ter uma safra recorde de cafés canéforas (nas variedades conilon e robusta) em 2025. Tradicionalmente, essa espécie responde por cerca de 30% da produção nacional, que tem como carro-chefe a espécie arábica, sobretudo em Minas Gerais.
Essa maior oferta do canéfora brasileiro é um capítulo feliz dentro da longa novela que se tornou o setor cafeeiro nos últimos anos, com quebras de safra em todo o mundo, associadas ao aumento de demanda provocada principalmente pela abertura do mercado chinês para a bebida.
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O resultado prático desse cenário foi um aumento assustador no preço do café para toda a cadeia, que termina no consumidor final. Nesse aspecto, o aumento na produção do canéfora, sendo que o Brasil produz principalmente a variedade conilon, traz um pequeno alívio. É que, de acordo com Márcio Ferreira, presidente do Cecafé “Conselho dos Exportadores de Café do Brasil), consciente de que a produção do arábica provavelmente iria continuar restrita no mercado global, a indústria brasileira se preparou para “migrar seu blend acentuadamente para o conilon, em detrimento do arábica, cujo preço fica muito caro”.
E o contexto internacional de produção de café está contribuindo para que a safra-recorde brasileira fique no mercado interno. A Indonésia e o Vietnã, que são grandes produtores do canéfora, voltaram a ter boas safras do grão. Segundo Ferreira, esses mercados são mais competitivos que o Brasil. A maior oferta contribuiu para que houvesse uma queda acentuada na cotação internacional do café canéfora, que é negociado na bolsa de Londres.
Em outro momento de maior escassez de café, quando vários produtores tiveram quebra na colheita, o canéfora atingiu preços internacionais tão altos quanto o arábica. De acordo com o presidente do Cecafé, a diferença de cotação entre o canéfora e o arábica (negociado na Bolsa de Nova York) chegou a uma diferença de 25 centavos de dólar por libra-peso. Foi nesse contexto, no ano ado, que o Brasil bateu o recorde de exportação do seu café conilon, que supriu a quebra do Vietnã e da Indonésia. “A um dado momento do ano ado, os preços do conilon no mercado interno, a aquisição junto ao produtor, chegou a estar mais caro que o preço do arábica”, garante Ferreira.
Quanto à tendência do preço do café no Brasil a partir da produção recorde do canéfora, o presidente do Cecafé vê um arrefecimento para o consumidor final, porém ainda com boa margem para os produtores, “mas que podem, sim, sofrer uma queda bem maior quando comparado ao que acontecia até o ano ado, tanto no conilon quanto no arábica”. No caso deste último, a melhoria das condições climáticas desde o início do ano indica que a safra não vai ser menor que a do ano ado.
“A permanecer as condições climáticas que temos hoje, teremos, sim, um mercado mais palpável, uma coisa mais saudável para a cadeia de café como um todo, tanto no arábica como no conilon. O conilon priorizando o mercado interno e o arábica atendendo a exportação, majoritariamente”, analisou Ferreira.
Na estimativa do presidente do Cacafé, a safra brasileira do conilon é maior que a necessidade do mercado interno, mesmo com a redução do arábica nos blends da indústria. De uma safra de 22 milhões de sacas do canéfora, ele acredita que 17 milhões serão usadas no mercado interno, e 4 milhões, destinadas ao café solúvel. “Logo, haverá conilon para atender a exportação, mas não nos volumes recordes anteriores”, avaliou.
Composição dos blends é segredo industrial
De acordo com Celírio Inácio, diretor-executivo da Abic (Associação Brasileira da Indústria de Café), em geral, o arábica é uma bebida mais valorizada por entregar qualidades sensoriais superiores. “No entanto, de uns cinco anos para cá, o conilon deixou de ser visto como um café de baixa qualidade. Atualmente, encontramos cafés 100% conilon, os robustas, e até versões classificadas como cafés especiais”, ressalva.
Sobre o aumento do uso dos canéforas no mix dos cafés torrados e moídos, Inácio explica que a composição dos blends é um segredo industrial. “Quando o industrial altera o blend, corre o risco de desagradar o consumidor. Por isso, toda mudança é feita com cautela, sempre observando o comportamento e a aceitação do público. Embora o preço da saca influencie, especialmente, no cenário atual de custos elevados, ele não é o único fator determinante. O consumidor tem a palavra final – e o industrial está atento a isso”, explicou.
O diretor-executivo da Abic destaca que é responsabilidade da indústria oferecer uma bebida que atenda plenamente às exigências de qualidade, segurança e boas práticas. Ao mesmo tempo, acrescenta Inácio, é fundamental disponibilizar produtos íveis, buscando sempre o equilíbrio entre custo e benefício para atender a diversidade do mercado brasileiro.
“Canéforas e arábicas apresentam bebidas de ótima qualidade. São cafés totalmente distintos, precisam conversar com aquilo que é o gosto do consumidor final, e esse gosto pode ser atendido isoladamente pelo arábica, por um blend de arábica com canéforas ou até por um canéfora puro, porque o paladar do consumidor conversa muito também com o bolso”, observa o presidente do Cecafé.
Para Ferreira, o arábica tem seu lugar garantido hoje porque construiu sua história ao longo do tempo. atingindo um nível de qualidade no Brasil que é comparável aos principais países do mundo. “Por outro lado, o canéfora vem avançando em qualidade e tem um espaço muito grande para crescer”, afirmou.
Os canéforas na xícara
Para além do volume de produção, o que representa um café canéfora na xícara? De acordo com Dionatan Antunes de Almeida, provador de café da Fazenda Caxambu (em Três Pontas, no Sul de Minas), que faturou o Campeonato Brasileiro de Cup Tasters de 2023 e o Campeonato Mundial de Cup Tasters de 2024, os canéforas têm o dobro de cafeína que o arábica. Como essa substância estimulante é responsável pelo amargor da bebida, inicialmente esse grão traz mais amargor.
Por esse motivo, o arábica ainda é mais valorizado, já que produz uma bebida mais delicada e adocicada. No entanto, nos últimos 10 ou 12 anos, os produtores de canéforas começaram a introduzir técnicas e processos de secagem e fermentação que resultaram em atributos sensoriais diferentes. “Enquanto o arábica tem notas florais, como laranjeira ou jasmim, o canéfora pode apresentar notas exóticas como dama da noite, ou ainda nibs de cacau, coco ou cocada”, observou Dionatan.
Assim, entre o canéfora e o arábica, o provador de café não considera pertinente eleger qual é o melhor. Para ele, são dois universos diferentes: “Isso está crescendo. A cada ano que a, tenho provado canéforas surpreendentes. Acredito que vai ficar bem definido como o arábica”.
Na análise de Dionatan, assim como o arábica, que tem produtores que prezam mais pela qualidade, com manejo artesanal, e outros mais focados na produtividade, com custo de produção mais baixo, isso também está acontecendo com o canéfora.
Como a produção de canéforas especiais é recente, para o produtor ainda é difícil vencer essa resistência. Mas, com o crescimento do consumo de cafés especiais, as pessoas vão buscar experiências sensoriais diferentes. Essa “descoberta” do canéfora vem ao encontro do crescimento da demanda global de café, estimulada principalmente pelo mercado chinês, já que se trata de uma espécie com alta produtividade, capaz de unir volume e qualidade.
Para Dionatan, cada região pode se especializar em uma espécie de café. Enquanto o arábica é favorecido por um clima mais frio e altitudes elevadas, os canéforas respondem bem a um ambiente quente e úmido, com altitude menor, sendo mais produtivo e resistente a doenças. Ele conta que o Espírito Santo, que já tinha alta produtividade de canéforas, agora está se aprofundando na qualidade. A Região Norte do Brasil também está crescendo a produção dessa espécie, sobretudo em Rondônia e no Acre.
Projeções da safra 2025 de café
De acordo com a segunda estimativa de produção da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), a safra brasileira de café em 2025 será de 55,7 milhões de sacas, 2,7% ou 1,5 milhão de sacas acima do volume produzido em 2024. Desse total, 66,4% (37 milhões de sacas) será da espécie arábica, redução de 6,6% em relação a 2024. Já a safra projetada para o conilon é de 18,7 milhões, 27,9% acima do ano anterior. A Conab atribui esse recorde à regularidade climática durante as fases mais críticas da lavoura.
Em Minas Gerais, com produção de café baseada basicamente no arábica, a estimativa da Conab é uma redução de 7,1% em comparação ao volume total produzido na safra anterior. O estado deve colher 26,1 milhões de sacas. A justificativa seria o ciclo de bienalidade negativa, aliado principalmente ao longo período de seca nos meses precedentes à floração. Já no Espírito Santo, cuja produção está mais focada no conilon (o estado detém 69% da área dedicada a esta variedade no Brasil), a safra 2025 terá crescimento de 18,2%, alcançando 16,4 milhões de sacas, justificado pelas boas precipitações verificadas no Norte do estado, que beneficiaram as lavouras.
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